sexta-feira, 9 de novembro de 2007
AROMAS DE URZE
"Não posso esquecer-me da intensidade do sentimento de solidão nos momentos que se seguiram. O dia aquecia, o cheiro quente e doce da giesta e do tojo penetravam nos meus pulmões como que a abafar-me. Pareceu-me que toda a minha vida tinha sido assim. Depois, dei com um campo totalmente amarelo da giesta (por isso chamam estes montes Serra Amarela); com uma escarpa íngreme para a direita; com um rebanho de cabras, semiencoberto pelo mato do outro lado do ribeiro fundo; com uma formação de pedras impressionante. Enfim, uma lista interminável de objectos de atenção que foram dissolvendo silenciosamente o apertar do nó. Ao chegar ao Chão de Bilhares já quase me esquecera das abelhas. Já tinha recriado aquela fantasia salutar de desdobramento interior, que nos permite estar sozinhos sem que a solidão afogue a nossa humanidade. Aquela constante conversa interior deu vida ao Robinson Crusoe.
E foi também essa sensação que, na manhã da visita a S. Silvestre com o professor, me fez descer do ponto de observação que encontrara sobre o minusculo cemitério, já fora do lugar. Estivera ai sentado a ler talvez uma hora ou coisa assim. Terá sido os Nuer de Evans-Pritchard, alguma coisa de Mary Douglas ou algum artigo da colecção que o Teodor Shanin organizou para a Penguin sobre sociedades camponesas."
João de Pina Cabral, in "Aromas de Urze"
"O etnógrafo defronta-se necessariamente com a questão da relevância dos detalhes de interacção que observa para a compreensão da condição humana como um todo: um problema de escalas que exigem mediação."
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